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A lembrança de Wagner Montes

Confira a reportagem publicada há oito anos aqui na Folha com o apresentador

Morad0r da Barra, o apresentador e deputado estadual Wagner Montes morreu neste sábado (26), aos 64 anos, devido a um choque séptico e sepse abdominal. Ele estava internado há dois dias no hospital Barra D'Or.

Em abril de 2011, ele recebeu a nossa equipe na Record para um bate-papo! Confira a reportagem abaixo e, no final, o artigo sobre o apresentador escrito pela nossa colunista na época, a jornalista Fernanda Gualda.


Os links para assistir a entrevista no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=clm8liJI2Pg&t=5s

https://www.youtube.com/watch?v=A0du47S9bT0&t=112s


O ESCRACHADO GENIAL

Luiz Neto/Abril de 2011


Líder de audiência, o político-apresentador Wagner Montes só toma conhecimento das reportagens que apresenta no momento em que elas vão para o ar

A Record está em terceiro lugar no Ibope, mas a liderança é questão de minutos. O craque que vai virar esse jogo já deixou o seu casarão na Barra da Tijuca em direção a Benfica, onde ficam os estúdios da emissora. Como Garrincha, apesar do andar trôpego, ele não teme os seus marcadores. Sabe que passará por eles sem fazer muito esforço. Wagner Montes dos Santos vem aí. Ele acaba de chegar apenas dez minutos antes de começar o seu programa, o “Balanço Geral”. É o tempo de trocar de roupa e entrar no ar. Acredite se quiser: o louco não sabe absolutamente nada sobre qualquer reportagem que será mostrada na TV. Mas durante as próximas duas horas e meia (das 12h às 14h30) a Record será líder de audiência. Craque? Melhor chamá-lo de gênio!


Enquanto a maioria dos apresentadores de telejornais costuma chegar algumas horas antes de começar o programa, para saber o que vai passar, ou o que vão comentar – para se inteirar sobre as pautas, usando a linguagem jornalística – Wagner não está nem aí. “Reunião de pauta? O que é isso?”, ironiza o apresentador. “Nem me preocupo. Os produ-tores, redatores e editores ficam lá em cima. Em momento algum vou à redação para saber o que vai ter no programa. Não quero nem saber”, escracha, bem ao seu jeitão. “Ele é um monstro no que faz”, diz Camila Portes, a produtora do programa, que passou a ser gerado para 165 países que integram a Record Internacional. “É como se ele apresentasse um programa “Fantástico” por dia. Todo no improviso”.


E quando dá algum chabu? Sobra para alguém, menos para o craque, claro. Recentemente, ele recebeu uma lauda com a informação de que um policial militar, que tinha sido atropelado na Perimetral, havia morrido. “Fiquei triste, prestei solida-riedade à família em pleno ar e, hoje, fiquei sabendo que o policial não morreu. Agora quero descobrir quem foi que mandou a lauda e vou dizer ao vivo. ‘Ontem erramos aqui, foi uma debilidade de alguém’. Sem menosprezar ninguém, mas vou dizer, ‘Oh, muquirana, como você dá um furo desses?”, escracha outra vez. “Mas falo com o maior carinho. Só erra quem trabalha. Vagabundo é que não erra”.


“A Record tem essa vantagem.

Ela me dá muito dinheiro”

Pode uma pessoa chamar a outra de muquirana e débil com o maior carinho? A resposta para essa questão se encontra em dois lugares: Primeiro nos bastidores do seu programa, no qual a cada intervalo, e até mesmo ao vivo, toda a equipe se diverte e dá gargalhadas, ao mesmo tempo em que trabalha. Segundo, nas urnas da última eleição, quando o apresentador se reelegeu deputado estadual com mais de meio milhão de votos. A maior votação para deputado da história do Rio. “Nem deputado federal, proporcionalmente, no Brasil inteiro, teve a votação que eu tive”.


Em troca do carinho nas urnas, muito trabalho. Em quatro anos e dois meses, Wagner nunca deixou de ir a uma única sessão da Alerj, nem teve sequer uma falta justificada. “É o mínimo que se pode fazer em respeito à população”, diz ele. Os políticos que ousaram questionar a façanha, ganharam na lata o contrache-que do apresentador . “Alguns deputados disseram, ‘Você não deixa de vir um dia, isso aqui deve fazer uma falta para você, hein?’. Eu respondi que, graças a Deus, não me fazia falta. Peguei meu contracheque, mostrei o meu salário na Record e falei. ‘Olha aqui como eu estou preocupado com o salário de deputado”.


Wagner recebe na TV quase 30 vezes mais do salário de um deputado estadual. Pouco mais de R$ 500 mil. “A Record tem essa vantagem, me dá muito dinheiro. Mas é tudo declaradinho, bonitinho. Mostro até saldo bancário no ar. Eles me pagam mais do que eu preciso. Agora, menos do que eu mereço”, brinca, ao mesmo tempo em que faz planos de se mudar para uma casa maior, com um heliporto para pousar o novo brinquedinho que pretende adquirir. O brinquedo velho é uma lancha, na qual passeia com a família nas horas vagas.


Nada mau para o menino de Duque de Caxias que já trabalhou como garçom, tirava folga de discotecário na boate Zoom, foi vendedor de camisas e arriscou cortes afiados de carne atrás de um balcão de açougue. “Teve uma época que eu botava no jornal: vende-se mala por motivo de viagem”, diverte-se.


O jeito comunicativo o levou para a Rádio Tupi onde começou como repórter policial. Nascia ali o caso de amor com a sua “poliçada”, como costuma chamar os membros da corporação. Conheceu o apresentador Wilton Franco e foi parar no programa “O povo na TV”, onde recebeu o apelido de “Chicote do povo”. Passou a integrar o famoso júri do “Show de calouros”, do programa “Silvio Santos”. Em meados de 1981, quando come-çava a colocar sua pipa no alto, veio o revés. Foi empinar o seu triciclo em Ipanema e desabou. Catou o meio-fio, saiu deslizando de lado e perdeu metade da perna. “Era para bater o rosto ou a perna, aí eu preferi a perna, porque eu era bonitinho, né?”, recorda ele, que, na época do acidente, chegou a dizer. “Enquanto não amputarem meu cérebro, meu coração e a minha língua, vou continuar gritando pelo povo no programa”.

E ele continua gritando até hoje. Ou melhor, escrachando! O termo, ele diz que nem lembra quando criou. “Ainda tem o ‘arregaaaaaaaça’, mas as pessoas gostaram tanto do escracha que ainda não consegui usar o arregaça”, conta. Na Marquês de Sapucaí, no desfile técnico, ele recroda que em todos os setores escutou o público gritando o seu bordão. No prêmio Extra de jornalismo, o governador Sérgio Cabral ficou em segundo plano. Ele entrou no Vivo Rio um pouco antes de Wagner, que logo escutou o misto de aplausos e vaias ser substituído por gritos de “Escracha”.


Seus trejeitos serviram de inspiração para o controverso personagem For-tunato (deputado e apresentador envolvido com as milícias, do filme “Tropa de Elite 2”), mas não a sua postura e trajetória. “Nunca fui preso e no começo fui a favor das milícias, como a maioria das pessoas. Mas quando começaram as extorções a moradores e a fazer justiça com as próprias mãos, comecei a bater”, diz ele, um dos responsáveis pela aprovação da CPI das milícias e, atualmente, relator da CPI das armas. “Me avisaram para ter cuidado, porque estou mexendo num vespeiro, numa casa de marimbondo. Eu adoro marimbondo e não tenho medo de picada de abelha. Gosto de brigar com cara graúdo, com quem é poderoso. Podem até armar e plantar uma sacanagem. Mas como eu digo no ar: Arma bem armado, ou eu vou te procurar no útero da sua mãe e vou te matar”, sentencia.


Bem, está na hora de encerrar o “Balanço Geral”. Antes, claro, ele escraaaacha a cara de mais um bandido na tela. “Parece com o Marlon Brum”, brinca, referindo-se ao amigo, editor do Extra. “É um cara que se reinventa, que não para nunca”, elogia Brum. “Poderia ter jogado a toalha quando sofreu um acidente no auge da carreira, mas não. Com sua generosidade gigantesca e talento nato, tem tudo para brilhar cada vez mais, onde quer que atue”, completa o jornalista.


Ao final do programa,

sua perna está sangrando

E lá está o apresentador debulhado em lágrimas pela morte de mais um marginal, ainda que o líquido que escorre do seu rosto, saia de um lenço molhado que recebeu da produção e espreme na frente das câmeras. Um bufão que desqualifica a lógica e a racionalidade cartesiana. Adentrando como ninguém no campo da fantasia, da extravagância, quase tangenciando a alucinação, a loucura, ele desengessa o jornalismo policial. Fala a linguagem do povo. Expressa o que cada um de nós gostaria de dizer.


Ao final do programa, sua perna está sangrando. Devido aos 15kg que ganhou ao deixar o cigarro, há oito anos. “Mas comigo não tem essa, não. Eu vou para cima dela. Não sinto dor, fome e não tenho sono”, dispara, ao mesmo tempo em que, para espanto do editor da Folha, acende um isqueiro e encosta a chama em suas mãos durante um bom tempo. “Tá vendo, não sinto dor”.


Hiperativo, genial? Difícil encontrar uma palavra que defina o apresentador. É como se ele sepultasse aquele papo científico de que só usamos 20% de nosso cérebro. Parece que Wagner Montes é como Eddie (Bradley Cooper), o cara à frente do filme “Sem limites”, que toma uma pílula mágica e nos mostra como funcionaríamos com os miolos

anabolizados a pleno vapor.

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A Coluna da jornalista Fernanda Gualda

publicada na época


Wagner Montes

é uma lady

Wa-gui-ner Montes, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá... Me lembro muito do Silvio Santos em seu Show de Calouros chamando aquele jurado meio manco, que entrava com pinta de galã para compor o júri do programa e que deixou todo mundo de boca aberta quando fisgou a mais gata da bancada, Sônia Lima. Meu Deus, ninguém acreditava muito naquela história. E não é que o casal tá junto até hoje? Eu era criança e admito, não tinha a mínima ideia de quem era aquele cara, mas curtia. Wagner Montes sempre surpreendeu.


Anos depois, numa zapeada despretensiosa dei de cara com ele na CNT, esculhambando a bandidagem e defendendo a “poliçada”. Naquele tempo não tinha Capitão Nascimento nos cinemas mostrando a verdadeira tropa de elite que vai pra rua todos os dias botar a cara e o corpo à bala pra defender a mim e a você. Não me lembro se o documentário Notícias de uma guerra particular já tinha saído, mas a voz de Wagner Montes soava como um discurso solitário, ele era um maluco que defendia uma polícia marginalizada pela chamada banda podre. Como se todo cesto não tivesse suas laranjas estragadas... Hoje lidera a audiência na Record com seu jeito escrachado.


De escrachado Wagner Montes não tem nada. Essa é uma das melhores coisas do jornalismo: a possibilidade de enxergar personalida-des além da superfície. Antes da entrevista que o Sr. Escracha concedeu à Folha, falei com ele algumas vezes por telefone. E aí, sem viadagem, mas não tenho outro termo: Wagner Montes é uma lady. De uma generosidade rara. Atendeu a cada ligação, inclusive num domingão de sol, quando passeava de barco com a família, com a maior gentileza e simpatia que alguém pode ter. Um luxo, sobretudo quando comparado a pseudo estrelas com quem já falei e que botaram a maior banca ou se fizeram de difíceis.


Wagner Montes é acessível, um cara gente fina, que te atende ao telefone às 22h e diz. “Não está me incomodando de jeito nenhum, estou na assembleia”. E, finalmente (a demora não foi pela agenda dele, mas pela nossa dificuldade de conciliar horários), marcamos a entrevista.


Frustração das frustrações, não pude ir. Meu horário na LabPop Content não permitiu. Sorte da Heloise Ornelas, que acompanhou nosso editor numa tarde inteira com um senhor entrevistado. Jornalista adora gente sem papas na língua, gente original, autêntica, cheia de histórias boas. Poxa, fiquei com a maior inveja da Heloise.


Bem que o Marlon Brum, depois de entrevistá-lo, avisou ao nosso editor: “Quando você conhecer o Escra-cha, vai querer pedir o cara em casa-mento!”. Deus queira que a profecia não se concretize. Mas Luiz ficou, sim, fascinado. E quem não ficaria?

Campanha para Wagner Montes? Pode chamar do que quiser. E ele pode se candidatar a qualquer coisa que tem o meu voto.


A capa com o apresentador


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